Falando através de Seu profeta Jeremias, o Senhor insistiu que antes quebraria Sua aliança com relação ao ciclo do dia seguido pela noite, do que Sua promessa de restaurar Israel à sua terra |
Quando Abrão obedeceu a Deus e partiu de sua amada terra natal, Deus o
guiou a uma nova terra, exatamente como tinha prometido. Logo que Abrão chegou
a ela, o Senhor (Yahweh, Javé) lhe apareceu e disse: “Darei à tua descendência esta terra” (Gn 12.7). Desde o momento em
que chegou àquele pequeno pedaço de terra às margens do Grande Mar, a identidade
de Abrão – bem como a de seus descendentes – ficou ligada àquele lugar.
A promessa daquela
terra, feita pelo Senhor em Gênesis 12.7, foi a primeira de muitas. Por várias
e várias vezes Ele reiterou Sua promessa de aliança com a nação descendente de
Abraão. Por muitas vezes, esses lembretes e reafirmações do relacionamento através
da aliança incluíram referências explícitas à terra que Deus havia prometido
àquele povo. Somente no livro de Deuteronômio, enquanto o povo estava na divisa
da terra, o Senhor lhe lembrou dezoito vezes que a havia prometido a ele. O tema
é tão constante que ha-aretz (a terra,
em hebraico) é o quarto substantivo mais usado no Antigo Testamento.
Por diversas vezes,
inclusive de forma dramática, a promessa foi reiterada. Quando Yahweh firmou a aliança com Abraão, passando
em meio aos pedaços de animais sacrificados a fim de estabelecer a inviolabilidade
de Suas promessas, a garantia específica foi: “À tua descendência dei esta terra” (Gn 15.18). Mais tarde, falando
através de Seu profeta Jeremias, o Senhor insistiu que antes quebraria Sua
aliança com relação ao ciclo do dia seguido pela noite, do que Sua promessa de
restaurar Israel à sua terra (Jr 33.25-26). Resumindo, a realidade das promessas
não pode ser negada. A terra, e tudo o que ela contém, pertence a Yahweh (Sl 24.1), porém, Deus fala de
uma forma especial sobre o pequeno Israel: “a
terra é minha” (Lv 25.23). Deus é o dono daquela terra, e Ele a deu a Israel.
As Suas promessas concedendo aquela terra a Israel são eternas, imutáveis e irrevogáveis
(Hb 6.13-18).
Contudo, entre os
que crêem na Bíblia há ainda hoje um grande debate sobre a questão se os judeus
têm ou não o “direito” a Eretz Israel (a terra de Israel). Lendo as Escrituras, muitos cristãos questionam a afirmação
de que Israel tem, de fato, ainda hoje, o direito dado por Deus de possuir a
terra que Ele lhe prometeu tantas vezes e tão claramente. Assim, eles também negam
que os crentes tenham o dever de apoiar Israel em sua luta. Qual a razão disso?
Acho que existem
três explicações possíveis:
Lendo as Escrituras, muitos cristãos questionam a afirmação de que Israel tem, de fato, ainda hoje, o direito dado por Deus de possuir a terra que Ele lhe prometeu tantas vezes e tão claramente. |
A primeira é pura e simples negligência. Um número espantoso de filhos de Deus sinceros e nascidos de novo, simplesmentenão dá muita importância ao relacionamento atual entre Deus e o Seu povo escolhido.
Na verdade, uma das decepções mais lamentáveis e impressionantes quando analisamos
a história cristã é constatarmos a capacidade dos crentes do Novo Testamento de
esquecer que, espiritualmente, estão sendo levados nos ombros do povo com quem
Deus celebrou a aliança – Israel. Essa tendência de amnésia espiritual tornou-se
menos expressiva no século passado, devido à grande obra que Deus realizou restaurando
Israel à sua terra. Mas, mesmo assim, ainda existem muitos que, ao ponderarem a
questão do direito dos judeus ao pequeno pedaço de terra que hoje possuem em
parte, não param para considerar as promessas das Escrituras que dizem respeito
a esse assunto.
A segunda explicação é “a teologia da
substituição”. Ela ensina que “a Igreja tomou o lugar de Israel enquanto nação,
como receptora das bênçãos de Deus”, dizendo que “a Igreja cumpriu os termos
das alianças feitas com Israel, que os judeus rejeitaram”, e que, portanto, a
nação judaica perdeu todo e qualquer direito que possuía com base nas promessas
que Deus lhe fizera.[1] Embora este não seja o momento para discutir tal assunto,
é suficiente dizer que a teologia da substituição começa onde deveria terminar,
e termina onde nunca deveria ter chegado. Isto é, ela começa com o Novo Testamento, insistindo que o Antigo Testamento
não tem significado algum, a não ser quando interpretado pelo Novo Testamento. Dizendo
que Jesus e os apóstolos são a única fonte confiável da verdade, a teologia da
substituição conclui que, se o Novo Testamento [supostamente] mostra que algo
no Antigo Testamento não era o que Deus realmente queria dizer, teremos de aceitar
que o Novo Testamento pode desmentir o que consta no Antigo Testamento. Por outro lado, a teologia da substituição termina insistindo que as promessas de
Deus não são tão confiáveis como aparentam ser. Porém, é melhor deixar que a Bíblia
fale por si mesma, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. É melhor reconhecer
que Jesus, que é a verdade, não se referiu
a Si mesmo como uma fonte de verdade mais segura que as Escrituras. Ele nunca
teria ensinado nada contrário às afirmações claras das Escrituras hebraicas que
tanto amava. É melhor lembrar que, qualquer que seja a parte das Escrituras que
estivermos estudando, Deus espera que relacionemos tudo que Ele revelou no passado
e que tratemos essa revelação anterior não como uma massa qualquer a ser moldada
da forma que quisermos, mas como palavras do próprio Deus, que têm autoridade e
são verdadeiras. As promessas de Deus são verdades eternas. Elas não podem ser
adulteradas ou postas em dúvida por nada e por ninguém, muito menos pelas palavras
posteriores do mesmo Deus imutável!
A “teologia da substituição” diz que “a Igreja cumpriu os termos das alianças feitas com Israel, que os judeus rejeitaram”, e que, portanto, a nação judaica perdeu todo e qualquer direito que possuía com base nas promessas que Deus lhe fizera. |
Mas ainda há uma terceira explicação para o ceticismo de
alguns cristãos quanto ao direito dos judeus sobre a terra que Deus lhes prometeu.
Eles alegam que a nação de Israel foi posta de lado judicialmente, de forma temporária.
Na verdade, Deus não rejeitou permanentemente o Seu povo (Rm 11.1), mas os ramos
naturais foram quebrados e um dia eles serão enxertados novamente (Rm
11.19-24). Admitindo o fato de que, no futuro, a nação será restaurada em sua
terra, alguns cristãos acreditam, mesmo assim, que o julgamento atual de Israel
mostra que os judeus perderam temporariamente seus direitos sobre a terra. Portanto,
os crentes não são obrigados a apoiar Israel em sua luta.
Entretanto, essa
perspectiva é seriamente equivocada. Ela reconhece corretamente que, de alguma
forma profunda, Deus deixou Israel de lado, e que hoje o povo judeu não goza do
mesmo relacionamento da aliança que já teve com o Senhor. Além disso, essa posição
vê o julgamento de Israel, corretamente, como apenas temporário e, portanto,
compartilha da esperança de seu arrependimento nacional e da sua restauração. Ela
ignora, contudo, o que a Palavra de Deus diz sobre o relacionamento entre Deus
e os judeus durante este período em que Israel está temporariamente cego.
Como devemos compreender
o relacionamento atual de Deus com Israel? Na minha opinião, o melhor lugar para
se procurar ajuda a respeito desse assunto é o notável e agradável livro de Ester.
De fato, sua história é tão encantadora que o foco teológico e histórico central
acaba passando despercebido. Esse ponto central fala sobre o assunto de que estamos
tratando.
Pense rapidamente
sobre a história: Ester, uma jovem judia, foi participar de um concurso de beleza,
o que era totalmente inadequado para quem estava proibida de se casar com alguém
que não compartilhasse da mesma fé. Se ganhasse o concurso, ela se casaria com
o rei e se tornaria rainha da Pérsia. Mordecai, seu primo mais velho e pai adotivo,
era um funcionário da corte do rei e aconselhou Ester a manter sua identidade
judaica em segredo, para que pudesse sobreviver, caso necessário, no mundo dos
gentios. Afinal, essa tinha sido a estratégia do próprio Mordecai. Então, Hamã
criou uma trama terrível para matar todos os judeus daquela terra. Quando Mordecai
soube a respeito, repentinamente sua herança judaica tornou-se mais importante
para ele e o levou a buscar fazer tudo que estivesse ao seu alcance para impedir
tal atrocidade. Como Ester estava em uma posição estratégica, eles elaboraram
juntos um plano para revelar ao desapercebido soberano a maldade que estava para
acontecer no seu reino. O problema é que Ester não se encontrava bem preparada
para o papel que teria de desempenhar, e o plano teria realmente fracassado se
não fosse por uma série de coincidências absolutamente impressionantes. Por acaso, o rei não conseguiu dormir e
mandou chamar seus servos para lerem o livro de registro das crônicas. Por acaso, eles leram um trecho que falava
sobre uma ocasião em que Mordecai tinha salvado a vida do rei. Mais tarde, naquela
noite, aconteceu que o rei, cujo coração
já era favorável a Mordecai e Ester, ficou sabendo do plano maligno de Hamã e
que Mordecai e Ester eram judeus. Enraivecido com a atitude de Hamã, o rei ordenou
a sua execução. Por coincidência, ele
foi enforcado na própria forca que havia mandado construir naquele dia [para matar
o judeu Mordecai].
Ester diante de Assuero. Pintura de Nicolas Poussin. |
Creio que o Senhor
deseja que leiamos o livro de Ester como a representação do grande paradigma do
Seu relacionamento com o povo da aliança – e do relacionamento dos judeus com
Ele – durante os anos em que estiverem “deserdados” judicialmente da bênção completa
dessa aliança. Considere os paralelos: no livro de Ester, os personagens principais
são duas pessoas de origem judaica, que haviam abandonado seu relacionamento
com Deus e estavam determinados a fazer o possível para ter sucesso no mundo
gentio. Mas ainda havia um resquício de judaísmo neles, que se manifestou na determinação
em não permitir que o povo judeu fosse destruído.
O paralelismo com
a realidade do povo judeu nestes últimos dois mil anos não poderia ser mais exato.
Seja por escolha própria ou por coação, os judeus tiveram de conquistar seu espaço
em um mundo gentio hostil, e conseguiram
mostrar que são muito habilidosos neste aspecto. Durante séculos, uma das ameaças
mais constantes para a sobrevivência do povo judeu se encontra dentro deles mesmos:
o impulso de assimilação. Mas quando surgia uma ameaça externa, a assimilação
era abandonada, o judaísmo era orgulhosamente reafirmado e todas as energias
eram direcionadas para libertação do povo de qualquer destruidor.
Agora, voltemos
ao livro de Ester. O que nos chama mais a atenção nesse livro? O nome de Deus
nunca é mencionado. Isso não foi porque Ele não estava agindo; mas porque se
ocultava de todos, menos dos que criam nEle. Na verdade, foi Yahweh que tirou o sono daquele monarca
e que guiou as mãos dos servos enquanto desenrolavam os rolos dos registros das
crônicas. Resumindo, foi Deus quem libertou os judeus de Hamã, tanto quanto foi
Deus quem libertou os judeus de Faraó. No caso de Hamã, contudo, é necessário
ter os olhos da fé para ver a mão do Todo-Poderoso em ação.
Apesar de desprezado e perseguido nestes últimos dois mil anos, Israel sobreviveu como um povo. Nos últimos cinqüenta anos, foi vitorioso em três memoráveis guerras e continua a sobreviver como nação. |
Voltando para Israel
nestes últimos dois mil anos: desprezado e perseguido, apesar disso sobreviveu
como um povo. Nos últimos cinqüenta anos, foi vitorioso em três memoráveis guerras
e continua a sobreviver como nação. Os não-crentes e céticos atribuem essas vitórias
à coragem do povo e à pura sorte; os crentes reconhecem novamente a mão discreta
mas poderosa de Deus, que prometeu preservar o Seu povo.
Agora, retornemos à questão inicial: os crentes devem apoiar Israel em
sua luta pela terra? Creio que a mesma pergunta pode ser feita de uma forma um
pouquinho diferente: se vivesse na corte persa há 2.500 anos atrás, você estaria
do lado de Hamã ou do lado de Ester?
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