6 de dez. de 2013

O CHAMADO DE DEUS PARA OS DIRECIONALMENTE PREJUDICADOS

Uma voz não familiar subitamente quebrou o silêncio em meu carro: “Pegue a saída à direita daqui a 150 metros, depois vire à esquerda”. Por um momento meu coração disparou. Não, eu não estava escutando a voz de Deus; era a primeira vez que eu ouvia um comando vindo do meu GPS novinho em folha. Recuperando a compostura, eu respeitosamente obedeci à diretiva clara e cheguei exatamente onde precisava chegar. Que instrumento fantástico para aqueles dentre nós que são “direcionalmente prejudicados” [ou seja, não têm certeza sobre a direção a seguir].
Uma das questões que nos deixam mais perplexos em missões é a que se refere ao chamado de Deus. Talvez você tenha ouvido missionários compartilhando que foram chamados para um determinado povo ou país. Será que eles possuem algum tipo de GPS celestial? Será que é realmente possível receber uma diretiva tão clara de Deus? Afinal, não é verdade que todos os cristãos são chamados para serem missionários? Muitas pessoas têm ponderado sobre essas questões ao longo dos anos. A boa notícia é que Deus proporciona respostas para os que são “direcionalmente prejudicados”.
O chamado de Deus deve ser entendido primeiramente em seu sentido mais amplo. Por exemplo, ele chama todos os cristãos para serem separados para Deus (Rm 1.7), pacificadores (1Co 7.15), e santos (1Pe 1.15). Além disso, espera-se que todos os seguidores de Cristo sejam sal e luz (Mt 5.13-14; Fp 2.15), testemunhas (At 1.8), e embaixadores de Cristo (2Co 5.20). Não há a menor dúvida de que Deus deseja que todos os crentes se unam para alcançar esse mundo perdido com o Evangelho. Mas, será que todos os cristãos deveriam se tornar missionários e imediatamente começar a fazer as malas? Não necessariamente.
Há fortes evidências de que Deus apresenta um chamado missionário para alguns indivíduos. Atos 13.1-4 revela um momento definitivo na vida de Barnabé e de Paulo, quando o Espírito Santo direcionou a igreja de Antioquia a separá-los “para a obra a que
os tenho chamado” (v.2). Qual era o chamado deles e a obra que deveriam fazer? Atos 9.15-16 nos diz que o apóstolo Paulo foi previamente designado como um “vaso escolhido” que levaria o Evangelho aos gentios, a reis, e aos filhos de Israel. Ele passou o restante de sua vida proclamando esse Evangelho onde Cristo não era conhecido (Rm 15.20). Parece claro e simples, certo? Não exatamente.
Peça a qualquer missionário para compartilhar sobre o chamado de Deus na vida dele e você descobrirá que cada história é única. O chamado de Deus pode vir em uma grande diversidade de maneiras. Ele pode se tornar claro através da oração e da leitura da Palavra. Pode se desenvolver por meio de uma conscientização cada vez maior sobre uma necessidade específica de ministério. Ou pode vir através de palavras e do encorajamento de um amigo ou de um pastor. Independentemente de como Deus chama você, quando Ele chama, você não pode se livrar do chamado. Como escreveu M. David Sills, um elemento crítico no chamado de Deus é “um desejo ardente indescritível que motiva uma pessoa além de todo o entendimento”.[1]
Talvez você já tenha sentido Deus chamando você para ser missionário, mas o próximo passo parece ser meio obscuro. Será que você deveria servir ao Senhor em Moçambique ou em Mumbai? No estado do Paraná ou na ilha de Santa Catarina?

Talvez você já tenha sentido Deus chamando você para ser missionário, mas o próximo passo parece ser meio obscuro. Será que você deveria servir ao Senhor em Moçambique ou em Mumbai? No estado do Paraná ou na ilha de Santa Catarina? Embora Deus certamente possa dar direções de formas dramaticamente claras, Ele geralmente caminha com você por meio de um processo que se desenrola um passo de cada vez. Não obstante, Sua mão é claramente evidente. Oswald Chambers escreveu:
A percepção do chamado de Deus pode vir como em um súbito estampido de trovão ou por meio de um amanhecer gradativo; mas, seja qual for a maneira, o chamado vem com a marca subjacente do sobrenatural, quase misteriosa”.[2]
Como você começa a viver seu chamado? Como missionário experiente, Paulo fez três declarações fantásticas em Romanos 1.14-16. Essas afirmações formam um excelente ponto de partida para qualquer pessoa que for chamada para ser missionária.

Perspectiva

Quando Paulo afirmou “Sou devedor”, no versículo 14, ele queria dizer que sabia quem era e de onde tinha vindo. Aquele que fora perseguidor e “o maior dos pecadores” nunca se esqueceu do que Deus fez em sua vida. A graça e a misericórdia eram tão reais e poderosas que transformaram a vida de Paulo para sempre. Como resultado, ele se via como um mordomo do Evangelho (1Co 9.16-17).
Vamos colocar as coisas da seguinte maneira: Imagine que você trabalha em um laboratório médico e um dia descobre a cura para o câncer. Querendo ou não, daquele momento em diante você é um mordomo; e você tem a obrigação de compartilhar aquela boa notícia com o mundo todo. Da mesma forma, todos os cristãos chamados para serem missionários devem desempenhar sua obrigação. Deus fez tanto por eles e lhes confiou a notícia mais importante de todas as épocas. Conseqüentemente, eles têm uma obrigação perante toda a humanidade.

Postura

Paulo não tinha apenas a perspectiva adequada, mas também demonstrava ter a postura correta. Em Romanos 1.15 ele declarou: “Estou pronto”. Paulo vivia em um estado perene de prontidão e se posicionava diariamente para agarrar todas as oportunidades de ministério.
Você alguma vez já refletiu sobre o peso das palavras de Paulo? Ele estava pronto para fazer exatamente o quê? Ele estava determinado a chegar a Roma, uma cidade mergulhada no paganismo e na idolatria. Imagine a preocupação dos amigos de Paulo.
Em 1856, John Paton estava fazendo os preparativos finais para servir como missionário em uma ilha do Pacífico Sul. Um senhor mais velho protestou: “Os canibais! Você será comido pelos canibais!”
John Paton respondeu: “Sr. Dickson, o senhor já está avançado em anos, e sua própria perspectiva é: logo serei colocado em uma sepultura para ser comido por vermes; e eu confesso ao senhor que, se eu puder viver e morrer servindo e honrando o Senhor Jesus, não fará para mim a menor diferença se vou ser comido por canibais ou por vermes; e no Grande Dia, meu corpo ressurreto se levantará tão sadio quanto o seu, à semelhança do nosso Redentor que ressuscitou”.[3] John Paton estava pronto.
Você foi chamado para ser um missionário? Então, começando hoje, esteja preparado para se levantar imediatamente e pronto para abraçar as portas abertas e as oportunidades.

Paixão

Paulo também demonstrou a verdadeira paixão: “Pois não me envergonho do evangelho de Cristo” (v. 16). Se havia um lugar no qual Paulo pudesse ficar intimidado quanto à pregação Evangelho, esse lugar certamente era Roma. Entretanto, embora o romano típico considerasse o Evangelho uma tolice, Paulo sabia que o Evangelho era o poder de Deus. Sua paixão decidida era proclamar as Boas-Novas sobre Jesus Cristo onde quer que fosse, a qualquer custo.
Se Deus está chamando você para o serviço missionário, vá em frente. Ocupe-se com aquilo que Deus puser em sua frente hoje. Explore maneiras de se envolver com aquilo que você crê que Deus o está chamando para fazer no futuro. Embora as especificidades possam parecer um tanto confusas agora, comece pedindo a Deus para ajudá-lo a desenvolver a perspectiva, a postura e a paixão corretas. Como disse John Paton: “Nada esclarece mais a visão nem dá tanto sentido à vida quanto a decisão de ir adiante naquilo que você sabe ser inteiramente da vontade do Senhor”.[4] (Don Lough Jr. - Israel My Glory - http://www.chamada.com.br)
Don Lough Jr. é diretor da Missão Palavra da Vida. Ele serviu e dirigiu a Divisão de Ministérios Internacionais da Palavra da Vida durante 15 anos e já ministrou em mais de 40 países.

Notas:

  1. M. David Sills, The Missionary Call (Chicago, IL: Moody Publishers, 2008), p. 29.
  2. Oswald Chambers, So Send I You: Workmen of God (Grand Rapids, MI: Discovery House, 1993), p. 17.
  3. Florence Huntington Jensen, Joh G. Paton, Worldwide Missions, www.wholesomewords.org/missions/biopaton6.html.
  4. James Paton, The Story of John G. Patton Told for Young Folks (New York, NY: A. C. Armstrong and Son, 1893), p. 59.

ENTENDENDO CORRETAMENTE OS TEXTOS PROFÉTICOS

Como entender corretamente os textos proféticos da Bíblia?

Israel como exemplo de caso

A existência do Estado de Israel tem algum significado teológico relevante para nós? Ou é apenas um fato político “normal” sem relação direta com a história da salvação divina e com nosso entendimento bíblico? Essas duas posições diferentes são defendidas por cristãos que se consideram fiéis à Bíblia. Na história da interpretação bíblica o caso de Israel sempre foi emblemático e desempenhou um papel-chave para entender o que a Bíblia diz e demonstra como lidar com outros textos proféticos: Jesus estabelecerá um reino de mil anos de paz (o Milênio)? As profecias ainda não cumpridas do Antigo Testamento se cumprirão literalmente? A Igreja de Jesus substituiu o antigo povo de Israel?
Usar Israel como exemplo de caso adequa-se para estudar e entender qualquer outro texto profético da Bíblia. Dentro da brevidade aqui exigida tentaremos analisar as questões hermenêuticas (relativas à interpretação) que devem ser esclarecidas se quisermos compreender corretamente o que a Bíblia tem a declarar acerca do futuro.

1. Os dois polos na questão de Israel: substituído pela Igreja ou promessas concretas para o futuro do antigo povo de Deus?

Vamos limitar-nos à comparação entre essas duas correntes antagônicas sem entrar no fato de que nos dois “campos” existem ainda mais diferenciações e variantes.
a) Teologia da substituição: as promessas feitas a Israel e ainda não cumpridas foram transferidas à Igreja de Jesus. Promessas terrenas (como o retorno à terra de Israel) não se cumprirão literalmente; elas foram transferidas simbólica e espiritualmente à Igreja do Novo Testamento. Essa posição é conhecida como a Teologia da Substituição, já que substitui o povo de Israel (como etnia) pelo Israel “espiritual”, a Igreja. Dentro dessa concepção o retorno do povo de Israel à sua terra não teria qualquer significado profético no plano divino de salvação.
A tese de que a Igreja substituiu Israel é um elemento básico no Amilenismo, que ensina que não haverá um reino de mil anos literal (Milênio). Segundo essa corrente, aquilo que Apocalipse 20 descreve já começou por ocasião da primeira vinda de Jesus e perdurará até Sua volta. Essa é a posição clássica da teologia reformada (e em parte da luterana).
Com isso desaparecem quase todas as diferenças entre o Antigo e o Novo Testamento, a Aliança Abraâmica vale tanto para Israel como para a Igreja (“Teologia Aliancista”). Segundo Calvino, o Israel do Antigo Testamento já era a Igreja “como que na infância” (Institutas II, 11.2). O “Israel verdadeiro” é absorvido pela “Igreja de Jesus”, existe apenas uma “comunhão dos crentes, e essa comunhão existia desde o início da antiga ordem até o tempo atual e existirá na terra até o fim do mundo”.[1]
b) Cumprimento literal: as promessas ainda em aberto para Israel como povo se cumprirão literalmente no futuro. Delas fazem parte a conversão do remanescente (“todo o Israel”, Rm 11.26) ao Messias em conexão com a volta de Jesus e então sua existência sem opressão em sua própria terra (“restauração de Israel”). Dentro dessa perspectiva, o retorno do povo secular à terra de Israel depois da Segunda Guerra Mundial faz parte do cumprimento do plano divino. E esse retorno cria as condições para os futuros eventos de Zacarias 12 a 14.
Dentro da perspectiva literal, o retorno do povo secular à terra de Israel depois da Segunda Guerra Mundial faz parte do cumprimento do plano divino.

Dentro dessa perspectiva esperamos um cumprimento literal das promessas de um reino milenar, para cujo estabelecimento o Senhor voltará. Essa é a posição do Pré-Milenismo (Jesus virá antes do estabelecimento do Milênio real). Na Europa essa posição ficou mais conhecida como Dispensacionalismo.[2] Mas nesse debate não deveríamos nos ater a “rótulos”, já que não existe um Dispensacionalismo fechado, mas diversas variantes agrupadas em volta de uma idéia central.[3] Repetidamente os detratores do cumprimento literal esboçam a caricatura de um Dispensacionalismo extremado. Aí surge a impressão de que todos os que esperam pela restauração de Israel e por um Milênio literal também apóiam doutrinas dispensacionalistas particulares (por exemplo, que o Sermão do Monte se aplica somente ao Milênio...). Esse definitivamente não é o caso!
Com isso chegamos a um resultado intermediário: as posições “a” e “b” se excluem mutuamente e exigem um posicionamento. Que pontos de orientação nos seriam úteis nessa tomada de posição?

2. A posição reformada acerca das Escrituras: retorno ao sentido literal da Bíblia.

Um propósito central dos reformadores era o retorno a um entendimento claro da voz das Escrituras (claritas scripturae). Isso exigiu da parte deles uma postura firme contra a arbitrariedade na exegese das Escrituras que se instaurara ainda nos primeiros séculos da História da Igreja. Na época, ao invés de aceitar o sentido literal dos textos como determinante, buscava-se um sentido “múltiplo” no que as Escrituras declaram. Com isso abriram-se as portas para todo tipo de alegoria (simbolismo), espiritualização e reinterpretação do texto sagrado. Isso conduziu a uma deturpação das verdades que Deus havia revelado aos escritores da Bíblia.
Um dos protagonistas dessa “espiritualização” foi Orígines, um dos pais da Igreja (185-254), posteriormente criticado duramente, e com justiça, por Martim Lutero. À alegoria e à arbitrariedade na exegese de textos bíblicos os reformadores contrapunham sua reivindicação central: válido seria o sentido simples e evidente das Escrituras, o sentido “literal”. Segundo essa idéia, um texto bíblico deve ser interpretado da forma mais próxima possível de seu sentido original, o mais perto possível daquilo que seus autores originais queriam dizer, sempre levando-se em consideração a gramática, o uso idiomático e o contexto da passagem.

3. Como os reformadores entendiam Israel

Tendo em vista essa regra de aceitação do sentido literal de uma passagem bíblica, é surpreendente que os principais reformadores não a aplicaram quando se tratava da questão de Israel. Enquanto Lutero, em sua antiga interpretação de Romanos (de 1515 a 1516) ainda dizia que no fim dos tempos uma grande parte do povo judeu como “remanescente” étnico (como coletividade nacional) iria converter-se a Jesus, mais tarde afastou-se dessa interpretação. Calvino também explicou Romanos 11.25ss. – contrariando o sentido literal e o contexto – como a comunidade de judeus e gentios que viriam a crer em Cristo no decorrer de toda a história eclesiástica. Isso correspondia à sua idéia de uma só Igreja “desde o princípio até o fim do mundo” (veja o Catecismo de Heidelberg, pergunta 54).
Como foi possível essa “desapropriação” de Israel, com suas promessas especiais transferidas para a Igreja? Certamente as questões escatológicas não foram as que mais ocuparam a atenção dos reformadores. As batalhas teológicas mais decisivas aconteciam em outras áreas, especialmente na questão da salvação e acerca da doutrina da justificação.
Na área da Escatologia os reformadores ficaram presos à posição encontrada em Agostinho, um dos pais da Igreja (354–430). Mas já antes dele, ainda no segundo século, a igreja primitiva tinha começado a ver a si mesma como única herdeira das promessas feitas a Israel (carta de Barnabé, Justino Mártir). Oríogenes, com seu método alegórico, forneceu as ferramentas que possibilitaram transferir para a Igreja as passagens que eram destinadas a Israel. Mais tarde, a Igreja Católica Romana defendeu seu poderio e sua suposta eleição com todos os meios possíveis e imagináveis. Ela já não tinha o mínimo interesse em devolver as promessas feitas a Israel a seus verdadeiros e originais destinatários. Em seu reino milenar presente (amilenismo!), Cristo já estaria há muito reinando através do papado.
Enquanto Lutero, em sua antiga interpretação de Romanos (de 1515 a 1516) ainda dizia que no fim dos tempos uma grande parte do povo judeu como “remanescente” étnico (como coletividade nacional) iria converter-se a Jesus, mais tarde afastou-se dessa interpretação.

Pelo menos na questão do Milênio, nos três primeiros séculos a Igreja antiga ainda tentava preservar a substância bíblica, mantendo a doutrina de um Reino futuro. No mais tardar com Agostinho começou, também nessa questão, um afastamento do sentido literal da Escritura, e esse afastamento tornou-se predominante em toda a Igreja. E os reformadores, mais de mil anos depois de Agostinho, pelo visto não dispunham do tempo nem da necessária clareza para impor a validade de seus princípios escriturísticos à questão de Israel. Hoje, quem quiser se reportar conseqüentemente à Reforma nesse sentido, precisa ir decididamente além dos reformadores e aplicar a literalidade do texto sagrado a todas as questões, inclusive à questão de Israel. Caso contrário, ficará preso a um confessionalismo tradicionalista.

4. O sentido literal de textos proféticos

O leitor da Bíblia encontra-se diante de uma alternativa bem clara: estou disposto a deixar que o texto fale por si mesmo ou leio o texto bíblico através do filtro de um certo sistema teológico? É óbvio que nenhum leitor da Bíblia se aproximará do testemunho das Escrituras completamente isento do conhecimento que já tem e das convicções já formadas em seu coração . Cada um de nós tem a tendência de considerar sua própria explicação como a opção correta (até então), que também deveria fazer sentido para todos os outros.
Apesar desse elemento humano, a Palavra de Deus comprovou sua força fazendo-se entender e se impondo como verdade, mesmo diante dos maiores disparates.
Vejamos um exemplo para comprovar essa afirmação: o Antigo Testamento constantemente associa a renovação do coração do povo judeu com sua volta à terra. Sobre isso basta ler Ezequiel 36.24-28; Ezequiel 37.12-26; Amós 9.11-15 (comp. Jr 16.15; 23.8; 24.6; 31.8,23-34). Quem estudar esses textos encontrará declarações bem claras do Deus vivo acerca de Israel, Seu povo escolhido. A base para ligar a salvação com a terra é a Aliança Abraâmica (Gn 13.15; Gn 17.6-8, etc). Essa aliança é incondicional, ou seja, não impõe condições para ser válida nem depende da obediência de Israel. Como Deus iria invalidá-la?
No Novo Testamento essa promessa feita a Israel volta a ser reafirmada e não há uma palavra sequer dizendo que ela foi revogada ou invalidada, nem mesmo quando trata da unidade entre judeus e gentios formando juntos a Igreja (Ef 2.11ss.; Rm 11.17-24). E quando, por exemplo, Tiago cita em Atos 15.15-20 a promessa de Amós 9.11-12 feita para Israel nos tempos finais, ele não afirma, de forma alguma, que essa promessa já se cumpriu na Igreja ou com a Igreja. O que Tiago mostra ao citar essa passagem é que os planos futuros que Deus tem para Israel de forma alguma representam algum prejuízo para os gentios: se Deus, no futuro, plantar definitivamente Seu povo na terra de Israel, isso também será uma bênção para os gentios. Isso combina e se harmoniza perfeitamente (At 15.15), de forma que não podemos nem devemos excluir da Igreja os gentios convertidos nem considerá-los “cristãos de segunda categoria”. Os dois casos (cumprimento futuro da promessa de Amós e o atual ajuntamento da Igreja) são regidos pelo mesmo princípio: a bênção de Deus para judeus e a bênção de Deus para os gentios não são excludentes; elas incluem a ambos.
No Novo Testamento não há um único texto questionando a validade das promessas do Antigo Testamento feitas a Israel. Tudo o que o Novo Testamento diz sobre Israel e seu futuro converge para sua conversão a Jesus como seu Messias e a um cumprimento abrangente e pleno de todas as profecias. Numerosas afirmações (por exemplo, Mt 19.28; Mt 23.37-39; Lc 21.24; Lc 22.30; At 1.6; Rm 11.25-27) reforçam a esperança de Israel porque foram feitas pelo próprio Senhor Jesus (e depois confirmadas por Paulo).
Jacob Thiessen fez uma análise mostrando como são sólidas as fontes neotestamentárias garantindo uma restauração final de Israel (Israel und die Gemeinde [Israel e a Igreja], 2008). E Michel J. Vlach provou em sua dissertação que, onde o Novo Testamento complementa promessas do Antigo Testamento e as aplica a situações atuais (por exexemplo Amós 9.11ss. em Atos 15.15ss.), isso nunca acontece de forma a anular seu sentido original ou literal nem as retira de Israel.[4]
Por isso, sempre vale a pena batalhar pelo literalismo bíblico, inclusive quando a questão é Israel. O que está em jogo não é nada mais, nada menos que a fidelidade das promessas de Deus, que não deixará ao léu a menina dos Seus olhos (Zc 2.12; Dt 32.10). Igualmente em jogo está a nossa própria fidelidade para com o sentido verdadeiro do texto sagrado. Quem se desvia dele para satisfazer algum sistema teológico corre o risco de repetir o mesmo erro em outras áreas. Que Deus nos proteja disso! (Dr. Wolfgang Nestvogel - http://www.chamada.com.br)
Wolfgang Nestvogel é pastor da Igreja Evangélica Professante de Hannover (Alemanha).

Notas:

  1. L. Berkhof, Systematic Theology, 1969, p. 571.
  2. Todo dispensacionalista também é pré-milenista. Mas a afirmação não é válida ao inverso: existem pré-milenistas que não compartilham de certas posições dispensacionalistas. Por isso existe a diferenciação entre pré-milenistas “dispensacionalistas” e “históricos”.
  3. A Bíblia de Estudo Scofield documenta o dispensacionalismo clássico da geração mais antiga enquanto um autor importante como John Walvoord defende um dispensacionalismo revisado, e outra diferenciação acontece no dispensacionalismo progressivo (a partir de 1986), defendido por C.A.Blaising e outros.
  4. Michal Vlach, The Church as a Replacement of Israel? An Analysis of Supersessionism, Frankfurt, 2009.