Ricardo Gondim oferece artigo ratificando a sua crença na volta de Cristo.
Ricardo Gondim
Sobram
textos bíblicos sobre o retorno de Cristo. Nos evangelhos, nas diversas
epístolas e na longa tradição da igreja, cristãos sempre guardaram o
grito esperançoso do Maranata – “venha logo, Senhor”.
Escatologia, o estudo do fim,
maneja as diferentes passagens do texto sagrado em busca de entender
como os eventos se encadearão antes do zênite da história. Cristo
voltará, isto sempre foi certo nas diversas comunidades de fé. Porém,
nunca houve consenso nos muitos séculos e nas muitas tendências do
pensamento cristão sobre quando?; como?; em que circunstâncias?
Um dos teólogos mais ousados no
trato da escatologia no século XX foi Jürgen Moltmann. Quando escreveu
“Teologia da Esperança”, Moltmann causou espécie. Sua obra encantou. E
como todo pensador de vanguarda, importunou. Seu livro foi primeiro
publicado em 1964. Alguns o consideraram a concretização de temas que
“estavam em suspenso”. Havia alguma intuição sobre o assunto, mas,
escatologia era considerada uma seção bem precária da teologia. Lidar
com a linguagem profética nunca pareceu fácil.
Alguns chegaram a afirmar que Moltmann cumpriu um kairós,
já que seu texto convidava a refletir sobre um tema que não podia
permanecer como um simplismo. Ele afirmava que era inevitável encarar de
frente uma área da teologia, complicada e controversa.
Moltmann estava sintonizado com um
tempo, que amadurecera. Na Igreja Católica Romana, o Concílio do
Vaticano II propunha a atualização de missão, liturgia e teologia. Nos
Estados Unidos, o movimento pelos direitos civis ganhava força com
Martin Luther King Jr., que popularizava o “Evangelho Social”. King
mobilizava multidões desde a defesa dos direitos civis dos negros, à
guerra do Vietnam e à mobilização trabalhista. Em Cuba, jovens
guerrilheiros tomavam o poder de Batista, fantoche do crime organizado
estadunidense. Na América Latina, o despertar da esperança se
transformava em hino dos pobres. O ambiente já vinha fertilizando
pensadores. Tornava-se importante a elaboração de teologias que lidassem
com o juízo de Deus sobre a injustiça e sobre a esperança (Rubem Alves,
um dos precursores da Teologia da Libertação, escrevia o livro “Da
Esperança”).
Reli Moltmann depois de vinte anos.
Ao virar as páginas, perguntava-me: “onde estive todos esses anos que
não apreendi os conceitos deste privilegiado pensador?”. Moltmann
repensava o signficado de “escatologia” – a doutrina das últimas coisas –
não para esvaziá-la de sentido, mas para mobilizar a igreja em práxis.
Moltmann sustenta que escatologia
precisa exceder o senso comum, deixar de ser uma mera compreensão de
como se darão as últimas coisas, para englobar o estudo do mundo,
história e humanidade. Estudar os eventos seria, para ele, mais
importante que alfinetar uma data para o fim dos tempos. Entender os
fios que ligam os acontecimentos históricos é dar sentido à volta de
Cristo em glória, o juízo universal e consumação do reino, à
ressurreição universal dos mortos e necessidade de uma nova criação.
“Esses acontecimentos finais irromperiam de fora da história para dentro dela e poriam fim à história universal, na qual tudo se move e se agita”. (o grifo é meu).
Moltmann considera, então, que, a
razão pela qual a teologia dava a esses acontecimentos pouca importância
é porque elas jaziam no limiar do “último dia”. Por isso, a
escatologia perdeu força como animadora de ações transformadoras; era
uma crença passiva. Projetada como expectativa para os “tempos vividos
antes do fim”, escatologia se condenava a ser apenas uma aspiração
piedosa. Isso explicaria, segundo ele, porque “as doutrinas do fim
vegetavam esterilmente nas últimas páginas da dogmática cristã. Eram
como um apêndice meio solto, que definhavam em sua insignificância
apócrifa”.
Daí, a ousadia de Moltmann. Ele
teve coragem de resignificar a escatologia, trazendo-a para o presente;
afirmou que “a escatologia é idêntica à doutrina da esperança cristã,
que abrange tudo aquilo que se espera como o ato de esperar, suscitado
por esse objeto”. A escatologia não adia, sine die, o apogeu da
história, mas o trás para o presente, porque, “o cristianismo é total e
visceralmente escatologia, e não só como apêndice; ele é perspectiva, e
tendência para frente, e, por isso mesmo, renovação”. Escatologia é
convite a sinalizar, aqui e agora, o que esperamos como irrupção do
novo, que virá na parousia.
“O
escatológico não é algo que se adiciona ao cristianismo, mas é
simplesmente o meio em que se move a fé cristã, aquilo que dá o tom a
tudo há nele, as cores da aurora de um novo dia esperado que tingem tudo
o que existe”.
Para Moltmann, portanto, a doutrina
da “escato-logia” deve ser substituída por uma teologia da esperança:
“Mas como falar de um futuro que ainda não existe e de acontecimentos
vindouros aos quais ninguém ainda assistiu? Não se trataria aí de
sonhos, especulações, desejos e temores, todos necessariamente vagos e
indefinidos, já que ninguém pode verificá-los?”.
Faz sentido, se doutrina deve ser
compreendida “como uma coleção de afirmações doutrinárias que se
conhecem a partir de experiências que podem ser repetidas e feitas por
todos; o termo logos se refere a uma realidade que está aí, que existe
sempre e que pode ser conhecida como verdade na palavra que lhe
corresponde”.
Concordo com Moltmann, pois também
acredito que “não é possível haver logos do futuro, a não ser que o
futuro seja a continuação ou retorno periódico e regular do presente.
Mas se o futuro traz algo de surpreendente e novo, sobre ele nada
podemos afirmar, nem conhecer sobre ele qualquer coisa que tenha
sentido, pois a verdade ‘lógica’ (verdade com logos) não pode existir no
que acontece no futuro como novo, mas tão somente naquilo que é
permanente e retorna regularmente”.
Moltmann desmonta a arrogância do
teólogo que se imagina capaz de fixar a verdade, pois os conceitos
teológicos não podem se tornar dogmas. Nada mais inútil que fixar uma
data, que pretende estancar a realidade naquilo que ela é. No
cristianismo, as análises são provisórias. Tudo depende do desenrolar
das perspectivas e suas possibilidades futuras. Conceitos teológicos não
devem engessar a realidade, mas ampliá-la pela esperança e assim
antecipar seu futuro. "Não devem arrastar-se atrás da realidade, nem
olhar para ela com os olhos da coruja de Minerva, mas iluminar a
realidade, mostrando-lhe seu futuro”.
Em qualquer teologia que mexa com
esperança, Deus não está em alguma parte no além, alheio e indiferente
ao desenrolar da vida. Se afirmamos que ele vem é porque sempre esteve
presente. Dizer que Cristo voltará implica em aceitar que estamos desde
já comprometidos com a promessa de um novo mundo de vida plena. Justiça e
verdade se irmanarão como a glorificação final das ações vivenciadas
por todos os que "buscaram em primeiro lugar o reino de Deus".
Essa promessa não apazigua; ela não
é ópio, mas põe o mundo em questão. O retorno de Cristo não gera
desprezo pelo mundo. Apenas avisa que a realidade que é colocada como
inexaurível poderia ser diferente.
Pelo fato de o mundo e a existência
serem assim questionados, eles se tornam “históricos”, pois são
expostos na berlinda e colocados no espelho do futuro prometido. Quando o
novo aparece como possibilidade, o velho se manifesta anacrônico.
Quando algo de novo é prometido,
vê-se que o antigo se tornou passageiro, e superável. Quando se espera e
antecipa o que parece impossível, nasce a liberdade de abandonar o
roto. Assim a escatologia cristã faz com que a “história” desabroche a
partir da visão de seu término. A concretude do que acontece passa a ser
percebida na promessa iluminadora do que, no momento, soa apenas como
utopia.
Só assim a escatologia não fica
soterrada na areia movediça da história. Ter uma maquete do fim, ao
contrário, escancara a história para a vida; viva por meio da crítica e
da esperança. A história cruel e desumana é julgada pela luz que brilha
desde a transcendência, desde o fim.
A impressão da transitoriedade
universal, fica patente quando se faz projeção idealizada do novo mundo.
Quem tem olhar prospectivo, percebe em retrospectiva.
Moltamann afirma que a história não
tem força para engolir a escatologia (Albert Schweitzer), nem a
escatologia engole a história (Rudolf Bultmann). O logos do eschaton é a promessa daquilo que ainda não existe. A promissio, que anuncia o eschaton e na qual o eschaton se anuncia, é o motor, a motivação, a mola propulsora e o tormento da história.
Eu creio que Cristo voltará. Mas
esta afirmação não gera comodismo em minha alma. Complacência não pode
se confundir com esperança. Nietzsche se revoltou contra a esperança que
rouba a gesta transformadora. Esperança postergada, e que se acovarda
no enfrentamento da vida, não passa de apanágio ideológico para
favorecer o opressor.
Afirmar que Cristo virá de fora
(transcendência) significa dizer que a ação humana (imanência) não
consertará a história. O Deus que encarnou retornará, de fora da
história, trazendo juízo, cura e esperança. Naquele dia, o horizonte
utópico se desfará e entenderemos o porquê de toda a mobilização que nos
incentivou a trabalhar pelo Reino.
Profecia é incentivo, nunca
entorpecimento. A esperança cristã desdenha do capitalismo, que não tem a
última palavra sobre o paraíso; critica o marxismo, incapaz do
progresso que desemboca em equidade plena; afasta-se da religião, que
tenta se confundir com a Cidade Celestial. Por enquanto, Paraíso é
maquete. Até aquele dia, a nova Jerusalém nos desaloja da zona de
conforto. O ainda não revela que o mundo do jeito que está permanece um acinte ao propósito divino. Mas chegará
o dia, grande e glorioso, quando céu e terra se tornarão uma só
realidade. Na revelação plena do Cordeiro, saberemos que não lutamos em
vão, e celebraremos.
Maranata, venha logo, Jesus!
Publicado em www.ricardogondim.com.br